quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para agitar a multidão


Tenho dois filhos. Duas sementes que, cada uma a seu modo, foram florescendo, empurradas docemente pela parcela da sua criação. Enveredaram por rotas pessoais diferentes mas, permitam-me a falta de modéstia, foram, e são, rumos conquistados na justa medida em que quiseram, e conseguiram, moldar a sua própria argila. Um, desembaraçou-se dos seus pensamentos escrevendo, passando-os ao papel. O outro, curiosamente, escrevendo também, mas a traço de desenho que começa a dar frutos de fundações que mais tarde ou mais cedo albergarão o que quer que seja.

A ambos foi incutida a honestidade e a necessidade de simplicidade no que dizem, fazem e, se possível, nunca menosprezando o que a outros diz respeito, se existirem condições para tal, ou seja, se de facto, alguma similitude em quantidade de força e escalas de valores existir.

Vem tudo isto a propósto de um artigo de opinião, hoje lançado pelo que traduz pensamento em escrita. Compreenderão que as artes do outro são diversas, para mim não menos louváveis, mas de visibilidade pública que se me apresenta de mais difícil revelação. Defeito meu! Mas ele não me leva a mal.

Bom, quanto à tal crónica, se a quiserem ler, está disponível no
blogue do próprio.

Ao lê-la, julgo ter percebido haver ali um honesto sentimento de repúdio por tudo o que, segundo a sua interpretação dos acontecimentos, e já agora deixem-me acrescentar também segundo o que é a minha leitura, ali se traduz como sendo uma enorme preversidade por parte de alguns jornalistas que mais não fizeram senão sacrificar algumas pessoas em favor do seu pretenso império jornalístico.

Quisera eu ter bem vivo e actuante o artista recentemente desaparecido, tanto quanto o empreeendor que também deixou de estar entre nós. A ambos deixo o meu respeito pelo que fizeram, pelos marcos que criaram e pela forma como eventualmente viveram. Digo ‘eventualmente’ por desconhecer de todo muitas das virtudes que, quero acreditar, lhes eram peculiares e exemplos de nobreza de vida para outros tantos. Acrescento só que, em áreas distintas, foram seguramente diferentes da maioria e só por isso merecem o nosso respeitoso silêncio.

O problema é que esse respeitoso silêncio – leia-se homenagem – é-nos dado pela tal classe fatela de jornalistas de modo diametralmente oposto. E eu não percebo porquê.

Por mim, nem sequer quero discutir consciências. Apetece-me discutir apenas actos. E os actos de quem, a qualquer preço, apenas pretende vender papel, actos execráveis e que retratam de forma fidedigna a falta de princípios, carácter e valores que, com muita mágoa minha, revelam também uma parcela grande da sociedade portuguesa.

Sim, porque afinal é neste quadro de valores que a agenda mediática deste empobrecido País, como se já não bastasse a dos paupérrimos políticos que sempre tivemos e, quem sabe, continuaremos a ter, se revê e nos quer fazer crer que o que escrevem é conhecimento, é aprendizagem para quem lê. Não é, não! E é pena que algum povo ainda vá acreditando nesta comunicação baptizada de social.
Paz à alma de todos os que, por obras, de maior ou menor valor, da lei da vida se vão libertando. Mas, ao menos no acto final desta efémera passagem por este lugar, tratem-nos a todos de igual modo . Se já o nascer-se tem contornos diferentes em função de diferentes pessoas, pelo menos tenham a honradez de, na morte, considerarem a todos como iguais. E já agora, não dêem festas para divulgarem aquilo que pensam e têm como certo. Tal acto fere muita gente. Veja-se a “retumbante” foto publicada por um jornal para se perceber o modo como se quer agitar a multidão. Acalmem-se, porque se aquilo que escrevem e retratam estiver certo, isso mesmo revelar-se- à por si próprio.

E nunca esqueçam srs. jornalistas-fatela: os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar tudo o que lhes é vendido pelos que podem.
Mário Rui

A todos os outros Angélicos



A morte de Angélico Vieira veio provar uma coisa de que há muito eu já tinha a certeza: as pessoas são tratadas pela comunicação social como números em prol das audiências. E mais: parece que o Salvador Caetano, ao lado de Angélico, era comparável ao gordinho da escola primária de quem todos se esqueciam no recreio.

O acidente e a consequente morte do músico e actor chocaram metade do país e eu, que também sou humano, não fui excepção. Não que fosse fã do seu trabalho, apesar de saber reconhecer o mérito quando assim deve ser, mas situações destas devem fazer-nos pensar e, se for o caso, abrandar os nossos excessos e comportamentos.

Aquilo que me faz confusão e que contraria tudo aquilo que desde sempre me ensinaram, é chegar à conclusão de que nem as mortes das pessoas que anualmente se contabilizam nas estradas portuguesas as torna semelhantes e muito menos dignas de um tratamento jornalístico ao nível dos ídolos que as próprias televisões fabricam. E eu compreendo isso: as figuras públicas vendem e nós não. Aí está!

A cobertura a que se prestam os órgãos de comunicação social nesta e em situações idênticas é exagerada, esgotante e previsível. Quem não se lembra das imagens repetidas até à exaustão da morte súbita de Miklos Féher? Quem não se lembra da exposição mediática do desaparecimento de Madeleine McCann? Ou, mais recentemente, das notícias do acidente que envolveu Sónia Brazão?

E eu pergunto: então e as mães - chamemos-lhes anónimas - das crianças desaparecidas - também elas anónimas - que tudo dariam para expor, até à exaustão, o caso nas televisões? E as crianças vítimas de violência doméstica? Não seriam estes casos igualmente dignos e até mais justificáveis de uma cobertura semelhante?

Eu recordo que, precisamente na mesma altura em que as notícias sobre o acidente de Angélico nos eram impingidas, morrera um homem com 85 anos, empresário visionário e com sentido de liderança, responsável pela introdução da Toyota em Portugal na década de 60, um dos fundadores do BCP e BPI e que preferia o seu recanto às luzes da ribalta. O seu nome era Salvador Caetano e a comunicação social, na sua banal superficialidade, decidiu que a sua morte não era merecedora de um tratamento igual à obra que produziu.

Quanto a mim, eu acho que é tanta a previsibilidade, a hipocrisia e a arrogância com que se serve a comunicação social dos ídolos que ela própria fabrica que, no fundo, o que há a fazer nestas situações, como já todos reparámos que assim é, é substitui-los por outros que lhes garantam novamente, seja por quanto tempo for, o lugar que todas as estações procuram.

E isso porque, ao que parece, na batalha dos números e na ânsia do poder, nem a morte nos torna iguais.

Rui André