terça-feira, 6 de março de 2012

Agência de notação conjugal



Esqueça o défice do país. Preocupe-se com a sua dívida afetiva. É o que há de mais importante
A REALIDADE É INDESMENTÍVEL: a conjugalidade tornou-se uma instituição: instável, insegura, imprevisível, mas também emocionalmente muito rica, onde se pode ser igual a si mesmo, quase sempre com forte solidariedade interna e sexualmente vantajosa pelo conhecimento progressivo da intimidade física de cada um.
Esta conjugação de variáveis torna aconselhável que cada casal crie a sua agência de notação conjugal, de modo a não entrar em default, termo hoje muito em voga, mas que em português quer dizer “devedor”, “caloteiro” ...
Cuidado com as ofertas oportunistas de agências externas ao casal: psiquiatras e psicólogos, assistentes sociais, técnicos da segurança social, conselheiros conjugais, enfim, todos os que têm um molde conjugal e procuram aplicá-lo a todos os casais. A primeira condição para que cada casal crie a sua agência é aceitá-la. A segunda é que qualquer dos membros do casal pode ser notador. A terceira é que qualquer notação do AAA+++ a lixo é para ser levada a sério no máximo durante uma semana. Depois terá de ser revista…
Classificar uma relação conjugal é, muitas vezes, um ato de momento, não nos podemos esquecer que o mercado relacional é influenciado por variáveis voláteis, tais como os momentos de paixão, ternura, raiva, desconfiança, proximidade, distanciamento, conflitos com as famílias de origem.
Cada notador deverá comunicar ao outro membro do casal, oralmente, por mail, SMS ou por gestos o seu rating da relação, mas a classificação de lixo deve ser acompanhada de maiores cuidados, pois acelera o risco de downgrading da relação por parte do outro, podendo desencadear um processo irreversível de falência.
Neste caso diversas soluções podem ser encaradas, sendo que a ida aos mercados é a que acarreta maiores riscos, por um lado porque mais cedo ou mais tarde é-se apanhado, tal como a Grécia, por outro porque pode ficar-se refém e nunca mais voltar. Mas não deixa de ser uma saída possível...
Uma alternativa à ida aos mercados, se ainda for possível, é recorrer ao BCE - Banco Comum Emocional - e fazer ativar os mecanismos de resgate que ainda estiverem disponíveis.
Alguns exemplos:
Para eles, ouvi-las em discurso direto a contar as últimas histórias do trabalho, sem ligar a Sport TV, de preferência com um sorriso terno e nunca lhes negando toda a razão do mundo.
Para elas, depois de um dia extenuante e de os miúdos estarem na cama, não ter dores de cabeça ou, no caso de as terem, acreditar que as endorfinas são terapêuticas e fazem subir o rating masculino da relação para AAAAAA.
Os maiores riscos para o rating do casal surgem quando um ou os dois criticam sistematicamente o valor do outro, levando-o a sentir-se lixo e o BCE do casal já não tem recursos para iniciar o resgate.
Se faz parte de um casal, “desconfie” quando o seu parceiro/parceira deixa passar muito tempo sem atribuir um rating, seja ele qual for. Pode estar a acontecer uma viagem, sem regresso, para os mercados emergentes e, quando se der conta, ouve: “Desculpa, mas fartei-me, já nem sequer estou zangado/a contigo, prefiro ficar só que andar a pedinchar ternura”.

Deixem os ratings do país para quem os manipula, mas preocupem-se com a vossa dívida afetiva, verdadeiramente é o que mais conta na vida, com os amores, com a família, com os amigos.
E não tem IVA, nem paga IRS…
Está completamente nas vossas mãos.


artigo de José Gameiro (Psiquiatra)

Mário Rui