quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Greves



Relativamente à greve que ontem, dia 24, assolou o País, pouco se me oferece dizer em termos da forma de que a dita se revestiu. É um direito que assiste a quem dela quer fazer uma arma, uma luta, uma saída para a crise. Ainda assim, posso, e já agora devo adiantar que, quanto ao conteúdo, tenho muitas dúvidas que esta greve tenha servido para alguma coisa.

O que sempre vejo, ouço e pressinto é que outras tantas que já aconteceram ao longo dos anos, mais não foram que um pretenso assumir de liderança de centrais sindicais que, esvaziadas de conteúdo, mais não querem senão agitar as massas fazendo crer às pessoas que, elas próprias, são o garante da nossa unidade nacional, da nossa independência e sobretudo o escudo salvador dos menos afortunados – os trabalhadores.

Assemelham-se a dezenas de governos incompetentes que nos vão debitando “tretas e letras”, já lá vão 37 anos, sem que a melhoria da qualidade das nossas vidas de trabalhadores tenha sido visível. É isto que sinto, é isto que tenho que afirmar. Bem me podem dizer que este ou aquele governo é, ou foi péssimo, que grande novidade, que sempre se espolia quem menos tem, outra grande novidade, mas a verdade é que o cerne da questão fica sempre por nos ser dito.

O que os dirigentes dessas centrais sindicais proclamam é, e também foi sempre, o que qualquer vulgar comentador ou espectador atento a estes assuntos sempre disse. Pelo menos no meu País: carestia do nível de vida, acréscimo de dificuldades para os mais pobres, anúncio permanente da inutilidade de taxas ou impostos criados pelos sucessivos governos, tanto faz que sejam de esquerda, de direita, do centro, de baixo, de cima ou dos lados. Eu também sou trabalhador, mas seguramente que a mim não me “caçam” com um ideário tão balofo, tão sem recheio.

A conflitualidade social que eventualmente possa resultar do paupérrimo estado a que chegámos, não se resolve com a “ajuda” de rua que nos é oferecida por esta espécie de sindicatos. Afinal há 37 anos que vos ouço dizer as mesmas coisas, o mesmo discurso, sem que daí resulte a resolução do cerne da questão. Enriquecer o País.

Que há gatunos com nomes e endereços próprios que toda a vida roubaram a própria Pátria, e assim a deixaram depenada, é verdade. O que se torna a meu ver curioso é que as centrais sindicais não convoquem greves, essas sim, para demonstrar a esses monstros que o povo bem os percebe e lhes vai dar a resposta devida.

O que verdadeiramente me agradaria era que, em vez de andarem a contabilizar quantos aderiram, ou não, me dissessem como sair da crise. Como compensam os que nada tendo contra tantas e tantas greves, perdem o dia, ou dias de salário, para se arregimentarem a estas colunas sindicais que, a meu ver, não disponibilizam um tostão, e aqui ressalvo raríssimas excepções, para ajudarem os mais fracos os mais desamparados que fazem a vossa bandeira.

Que convoquem greves que nos conduzam à porta dos verdadeiros malfeitores para que, aí sim, possamos vociferar contra eles e neles depositarmos toda a nossa justa desconfiança, eu apoio. Isso é que não me é dado a conhecer. Quero lá saber se foram cem ou um milhão que aderiu ao protesto. Muito gostaria, e aí louvaria a vossa atitude, se nos convocassem para a solução do problema de que padecemos, se nos ajudassem a encontrar a solução ética para acabar de vez com tal problema. Um crepúsculo semelhante a esse cobriria toda a construção do nosso drama e daria especial significação ao coro.

Eu, trabalhador, nessas condições, juntar-me-ia a esse coro. De outro modo não me apelem aos meus direitos perdidos e roubados porque eu, e certamente muitos outros, pouca crença temos nas sentenças sindicais que nos vão impinjindo. Se essas sentenças, essas prelecções, de uma e outra central sindical, introduzissem na alma dos portugueses desfavorecidos todo um mundo de sentimentos, esperanças, paixões, assim como um coro quase invisível mas altamente eficaz, então todos nós que trabalhamos nos sentaríamos nos bancos dos vossos teatros para endurecer a nossa força com a reconfortadora certeza que melhores dias se aproximariam.

Infelizmente assim não acontece ainda. Vamos ter que dar resposta a este enigma, mas sem a vossa colaboração e muito menos sem a colaboração daqueles militares descontentes, quem não está, que querem refundar um 25 de Abril mas com armas carregadas de munições.

Tudo isto é lirismo que está tão dependente do espírito da música que nos querem dar como a própria música está independente da imagem e do conceito que nos querem meter na cabeça. De posse da nossa plena liberdade, nós os trabalhadores, não precisamos nem de uns nem de outros, apenas os toleramos ao nosso lado.

Para acabar, creio não afirmar uma falsidade ao dizer que o problema de Portugal nunca foi seriamente enunciado e, por conseguinte, muito menos resolvido, por mais numerosas que tenham sido as aparições de sindicatos, governos e outros que tais. Mas isto há-de ter forçosamente governação.

Deixemo-nos, e agora digo nós e vós, de doutrinas estéticas e assumamos o nosso destino. Dar guerra quando de guerra se precisa, mas dar tréguas quando de tréguas necessitamos. E por agora parece-me que é altura de conceder algumas tréguas a quem quer pôr o comboio no carril. Mas atenção já que o povo tem sempre razão quando julga as extravagâncias e as divagações dos que querem ser reis!


Mário Rui

Memórias curtas


"Não podemos saudar democraticamente a chamada rua árabe e temer as nossas próprias ruas e praças. (...) Apelamos à participação política e cívica e à sua mobilização na construção de um novo paradigma". Em duas frases, este grupo de homens de esquerda liderado por Mário Soares apela aos que se opõem "a políticas de austeridade que acrescentam desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia" de forma a travar "a imposição da política de privatizações num calendário adverso" e o "recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais" como é o caso da saúde, a educação, a protecção social e a dignidade no trabalho."

In 'Económico'

Mário Soares que deveria estar na reforma e calado, pelo que fez e não fez ao país que somos, pela profunda vergonha que isso representa, ainda anda por aí a incendiar " a rua" e a apelar à revolta e indignação popular.Em 1985, este político que nos entalou de modo grave e entregou às mãos do FMI por duas vezes, era governante porque era o "amigo dos pobrezinhos" e como socialista convencia os papalvos a acreditar que iria solucionar politicamente os nossos problemas. A realidade impôs-se-lhe por mais que uma vez, mostrando-lhe os erros graves, mas nada aprendeu e pelos vistos ainda nada esqueceu. Por isso mesmo, para lhe lembrar o que dizia em 1985, perante uma situação de crise grave, fica aqui, a entrevista que concedeu à Grande Reportagem. Nenhum jornalista o vai confrontar com estes ditos antigos porque, como habitualmente, em Portugal o jornalismo, na maior parte das vezes, é do tipo "fatela" e Mário Soares sabe muito bem que assim é porque é a prova viva de que a mediocridade compensa. Ou será que já nem os jornalistas se dispõem a dar notícias que de modo didático elucidem e promovam a verdadeira cidadania junto deste luso-povo.

Mário Rui