quarta-feira, 25 de abril de 2012

Do 24 e do 25 de Abril














De facto algo teria de mudar. Seria de todo impensável manter o 24 de Abril nas condições de então. Entre muitas outras coisas, a guerra que matava, estropiava, desmoronava sonhos de jovens vidas , não poderia persistir. Um orgulhoso sentimento de estarmos sós também não servia de exemplo a nenhuma geração. O estar calado, ou falando para em seguida pensar atrás das grades, era do mesmo modo inaceitável.

Esforçando-me por perceber o pensamento político de então, só lhe encontro uma substantiva razão para o manter. Burrice ou então, se preferirem, falta de inteligência. Mas porquê? Tão só porque, a meu ver, a classe dirigente dos tão apregoados 48 anos de semi-escuridão, não resultou de qualquer ecplise solar mas antes foi fruto de uma linha de pensamento assustada, encapsulada de medos vindos do exterior, conservadora e sem qualquer rasgo intelectual que nos pudesse abrir uma janela para o desenvolvimento.

Ainda assim quero acreditar que tudo isto era feito em nome de um honorável fim que afinal era Portugal. Com honradez que se lhe colasse e nos fizesse sentir dignos de ostentar uma identidade, uma cultura e uma maneira própria de estar entre os outros. Mas tudo foi feito ao invés do que deveria ser. É essa a razão que me leva a crer que os ‘velhos do restelo’ eram realmente uns pobres de espírito e, pese embora toda a sua perseverança na manutenção duma certa respeitabilidade, acabaram ultrapassados pelo tempo.

A subtileza do seu pudor, derrotou-os. Não foram capazes de entender que, qualquer cidadão, deve prestar provas perante si mesmo a fim de demonstrar que cada um nasceu para a independência e não para o controlo abafador de outros.

Com o 25 de Abril, abriram-se por dias de esperança, novas janelas. Substituíram-se os caixilhos, os vidros, até as dobradiças. Tudo era novo. Até as ideias. Tudo se alterou e o país deu á luz rasgos dispersos de querer avançar na direcção certa. Desenvolvimento, paz social, cidadania de verdade. Cantaram-se loas à liberdade e pintaram o povo de tinta resplandescente. Esqueceram-se foi da primeira demão.

Aquela que dá à pintura a solidez e a fixação que se deseja. Não foi fruto do acaso este esquecimento. Tratou-se de olvidar o essencial, na confusão da euforia, com o propósito de inibriar consciências. É que assim e desde logo, os herdeiros da mais longa, gloriosa e corajosa vitória, o povo, ficaria anestesiado para a severidade que a seguir lhe iria ser servida.

Foi só este o ‘banquete’ que nos serviram ao longo de 38 anos, os novos príncipes reinantes. E mais. Incharam de riquezas mil e deixaram aos desprevenidos, a maioria, não os restos da boda mas, isso sim, a factura do repasto. Estamos a pagá-lo. Por tempo indefinido. O que eles nos cantam há anos, «direitos iguais», a cantiga da «sociedade livre», e «acabem os senhores e os escravos», nada disso nos atrai.

Em resumo, não achamos desejável que venha a fundar-se nesta terra o reino da justiça e da concórdia enquanto os ladrões do templo insistirem no saque. A nós cabe-nos aplaudir todos os que amam o perigo de cada vida sofrida e nunca a prática dos que nos conduziram ao abismo. E para cúmulo de tanto sofrimento, ainda há quem escreva livros ensinando-nos como fazer a “Gestão da Felicidade”. De mim, apodera-se uma perturbação ao estilo guerreiro, quando assisto a este gozo.

Viva o 25 de Abril. Abominem o fervilhante piolhame de gente “culta” e "politicamente dedicada" que se regala com o súor dos heróis.

Mário Rui

Mosaicos





















Mário Rui

Ontem à tarde




















Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia

Alberto Caeiro

Mário Rui