sábado, 14 de dezembro de 2013

Fogo amigo

 









 
 
 
 
 
 
 
 
Queixas contra médicos terão taxa a pagar pelos doentes
A Ordem dos Médicos (OM) quer passar a cobrar uma taxa aos utentes pelas queixas que apresentem contra os clínicos, para controlar o aparecimento de processos em excesso, "muitas vezes sem fundamento". A medida está prevista nos novos estatutos do organismo, que aguardam desde fevereiro o início da discussão com o Governo e aprovação na Assembleia da República. Na prática, diz o bastonário, José Manuel Silva, que ontem foi reeleito, "é uma espécie de taxa moderadora na apresentação da queixa ou por altura do pedido de recurso".
Imprensa de ontem
 
“Fogo amigo”
Cada vez me convenço mais que vivemos numa sociedade toda ela voltada para a definitiva quebra das regras do jogo. Os modos habituais de comportamento social caminham inexoravelmente para um beco sem saída onde deixa de ser permitida a mais ínfima fracção da indignação de cada um. Esta constatação é tão verdadeira para a política pura e dura que nos enleia a vida quanto para um sem número de outras actividades quotidianas que alguns teimam em dirigir à comunidade como se de uma simples aglomeração de pessoas se tratasse. Esquecem-se estas cabeças pensadoras que, afinal, comunidade significa lugar onde vive seara pública que mais não é senão a verdadeira semente que dá corpo a um país onde estão indivíduos com interesses solidários. Dificilmente dou bênção à “mania da perseguição” mas, de facto, quando assisto a algumas vaguidões oratórias, que não poucas vezes acabam por se transformar em coisa real, dou por mim a pensar se realmente não se tratará de ataque vindo de alguns sectores da própria sociedade civil contra os seus semelhantes. Mais. No actual estágio de entendimento de sociedade civil, defendido por muita gente, julgo não exagerar se disser que esta caterva de “pensadores”, ainda que arraigados aos melhores propósitos, apenas correspondem à produção, convenientemente arquitectada, diga-se de passagem, de seres humanos refugados. Parece dar jeito criar uma nova ordem onde se definam algumas partes da população como deslocadas, inaptas, indesejáveis, de modo a que a sua voz seja tida como tola. Assim, depois, acontece a aparição de novos critérios que, não trazendo melhoria quanto à qualidade de vida dos cidadãos, acabam por definir uma nova forma de normalidade geral que mais tarde ou mais cedo se há-de traduzir numa lógica de poder corporativo. Muito bem defendida aliás por alguns grupos profissionais, como é o caso. Daí que, esta situação, para além de todas as outras já criadas pelos sucessivos (des)governos do país, seja ela mesma mais um sentimento de condição de “sem-tecto social” que se nos crava no espírito e, pior que isso, no corpo. Somadas todas estas parcelas da conta fica-nos a noção de que refilar, fazer queixa justa, é mais um direito que vai ser subtraído porque eventualmente se vai fazer pagar caro. Curiosamente, ou não, não emana do governo tal ideia. Estarei errado se concluir e afirmar que temos outra facção oposta às nossas necessidades que milita cá dentro? Será que também estamos excluídos dos jogos ainda disponíveis? O que sobra? Vivermos ao “deus-dará”? Já não há enquadramento minimamente sólido para as nossas expectativas? Nem vindo dos nossos pares societários? Muito bem! Então se a confiança deixa de ter solo firme para enraizar-se, não pensem que vamos deixar de assumir a nossa repugnância por actos que nos molestem. Ainda que os bombardeamentos provenham de “fogo amigo”!
 
Mário Rui