sexta-feira, 11 de maio de 2012

Rádio Voz da Ria - 25 anos por Estarreja





















Vinte de Junho de mil novecentos e oitenta e sete. Tarde soalheira de Verão e alguns frágeis pingos de chuva à mistura, como que querendo marcar, em dois tempos distintos, o anúncio da aparição de uma nova realidade para Estarreja. O palco escolhido, bem lá no alto como convinha, era o amplo salão do 2.º andar do então quartel-sede dos Bombeiros V. de Estarreja. As pessoas iam subindo, as mesas estavam dispostas, havia que tomar assento, e assim se iniciava a sessão que haveria de marcar a fundação da Rádio Voz da Ria, a Emissora Concelhia de Estarreja. Era afinal da Assembleia dos Sócios fundadores da nova Rádio que iríamos tratar. E tratámos, a contento de todos e de um só. O Concelho de Estarreja.

Chegar até aqui, implicou na altura o compromisso, diria solene e veementemente interessado, de uns tantos que, através das então Rádio Horizonte de Estarreja, Rádio Moliceiro de Pardilhó e Rádio Independente de Salreu, decidiram por bem fundir-se, juntar teres e saberes e finalmente dar à luz do dia um verdadeiro abanão no panorama socio-cultural de Estarreja. 

Mas esta junção empenhada não bastava. Havia que tocar a rebate e constituir a primeira Direcção da Cooperativa entretanto legalmente constítuída. A esta competiria elaborar todo um intrincado processo de candidatura a um alvará de frequência de radiodifusão. Era o Estado a exigir regras para o exercicio da nossa actividade. Colocado este novo desafio, nem por isso nos calámos. A Voz da Ria continuava no ar.

Da eleição dos novos orgãos sociais a quem incumbia esta dura tarefa, resultou uma cadeira de Presidente para o  José Eduardo Matos. O Departamento de Informação ficar-lhe-ia confiado. Uma outra para Vice-Presidente e para nela ter assento o Mário Rui Oliveira. Departamento de Programas seria a sua área. O João Santos sentar-se-ia noutro rijo lugar, o do Departamento Comercial. O Departamento Financeiro, um banco também rijo, mais que comprido, seria entregue ao Albino Ferreira. Ao José Luis Moreira dos Santos, a quem ternamente chamávamos de sindicalista, assentava-lhe bem o cadeirão dos Recursos Humanos. Vinha a seguir o Secretariado. Mais um assento e desta vez para dar ao Severiano de Oliveira. O Departamento Desportivo, qual lugar que rolava quanto uma bola, era entregue ao António Teixeira da Silva. Finalmente, mas não menos importante, o Eduardo Silva reclamava uma cadeira e uma bancada. Dois móveis que lhe faziam falta. Foi-lhe doado o Departamento Técnico.

Se bem me recordo, nesse mesmo dia, começámos a desenhar o extenso processo de candidatura. Noites e noites à volta com os papéis onde a cada letra ficavam expressos, entre outros requisitos:  a memória descritiva do pedido, indicando em mapa à escala de 1:25 000, a área municipal de cobertura, a demonstração da viabilidade económica e financeira, a descrição detalhada da actividade a desenvolver , com relevo no horário de emissão e mapa de programação, o projecto técnico das instalações  (equipamentos, antena, estúdios, etc). O prazo de apresentação de candidaturas expirava em 3 de Janeiro de 1989.

Para a prossecução de todos estes objectivos é justo e importante trazer à estampa os nomes do advogado Casimiro da Silva Tavares que amavalmente cedia as instalações da então Casa do Povo de Estarreja, de resto local que servia de sede à Rádio, e do economista Armando Vigário, que tanto ajudou na elaboração da viabilidade económica e financeira. Duas figuras que , cada uma à sua maneira e tendo em conta outra experiência de vida, fruto das suas idades, nunca nos largaram de mão e sempre disseram: ‘estamos cá para ajudar.’

Enquanto trabalhávamos, meses a fio, no projecto, a rádio mantinha a sua emissão regular. Verdade que de modo ainda não completamente legal mas assim era permitido fazer. Paralelamente ao acompanhamento necessário à manutenção da emissão, viamo-nos confrontados no dia-a-dia com outras questões.

O saudoso João Evangelista, motor primeiro da Rádio no concelho de Estarreja, honra lhe seja, quem não se lembra dele a emitir na banda do cidadão, no interior do seu carro, alegrava os sábados à noite. Era pura festa e às vezes, não por mal, assustava uns tantos ouvintes com passatempos que só da sua imaginação podiam sair.  Havia que pôr alguma água na fervura. Lá o íamos fazendo.

O Geraldo Macedo, brasileiro de nascença, que ia colaborando com a Direcção no tratamento de algumas questões administrativas, de quando em vez lembrava-se de efectuar uns sorteios de relógios. Vendia as senhas para o efeito e para ajudar a rádio, mas nem os ditos nem o produto de tal venda  apareciam. Ríamo-nos no nosso bom tom de cordialidade mas sempre atalhando aqui e acolá no sentido de precaver situações do tipo. 

Mas quer os mencionados, quer mesmo nós, os da Direcção, também errávamos. Um belo dia o Fernando Vilar e eu próprio agendámos uma entrevista com o então Governador Civil de Aveiro, Gilberto Madaíl. A presença do técnico era necessária e então lá fomos acompanhados do Eduardo Silva.  Equipamentos prontos, fios por todos os lados no gabinete do Governador e, ao sinal do Eduardo, lá começámos a conversa. Volvida cerca de meia-hora, estendia-se o seu braço : «párem, párem, da entrevista nada ficou gravado...». Vergonha estampada nas nossas caras, tudo foi por água abaixo.  Afinal, talvez vicissitudes do nosso saudável e tenaz amadorismo  que nos haveria de levar ao ajustado modo de fazer rádio.

Histórias a contar poderíam ser muitas mais. Dificuldades a sobreporem-se redobradamente também as houve. Tudo ultrapassámos, tudo vencemos. Depois calaram-nos. Período de nojo para as rádios locais que se haviam candidatado ao alvará e respectivo licenciamento de emissão.

Então, a 23 de Dezembro de mil novecentos e oitenta e oito, a Direcção emitia um comunicado:

“ A Rádio Voz da Ria cumpre hoje o seu último dia de emissão ilegal, encerrando, como todas as outras, logo às 24 horas. Fundada há quase dois anos , a Voz da Ria termina assim o primeiro ciclo da sua vida.

Para trás ficam emissões diárias e um trabalho constante de divulgação dos nossos valores , de defesa dos nossos interesses e de acompanhamento dos pequenos-grandes problemas diários das nossas colectividades, freguesias, do nosso concelho e da nossa região ribeirinha.

Procurámos ser a voz de todos e de cada um. Entretanto, na intenção de cumprir o objectivo de sermos a emissora concelhia de Estarreja  já há muito iniciámos o processo de concurso à única frequência prevista para Estarreja. Nascida com o intuito de dotar o nosso Concelho de uma rádio capaz e de qualidade , a Cooperativa Rádio Voz da Ria viu o seu fundamental projecto ser finalmente reconhecido pelas rádios até aqui concorrentes. Assim, a Rádio Voz da Banda, de Salreu, foi já integrada na estrutura da Voz da Ria.

Também foi recentemente iniciada a integração da Rádio Cultural de Salreu  nesta Cooperativa de Radiodifusão. A Direcção da Voz da Ria, nesta última emissão, quer agradecer aos ouvintes , anunciantes, entidades, e colectividades todo o esforço feito e apoio dado.  A todos, mas a todos, o nosso muito obrigado. Partimos com a alegria de termos cumprido a primeira parte da nossa missão. E partimos com a tristeza de quem perde algo , mas com a esperança convicta de renascermos dentro de poucos meses.  Até sempre! até breve!”

Volvidos alguns meses, voltámos. Foi-nos atribuído o alvará.  Pagámo-lo, fizemos obras , renascemos. Os nossos propósitos, o nosso querer, estavam certos. O Concelho de Estarreja ficou mais rico, mais sábio. Com a devida modéstia, limitámo-nos a ser ambiciosos, na companhia de todos quantos nos ajudaram, e a obra produzida não foi mais que um vidro de aumento que se estendeu a quem o quis olhar. Assim foi e ainda hoje assim é.

Mas é justamente por tudo isso que convirá repetir que o grande agradecimento vai para todos os que acompanharam os primeiros passos da Rádio Voz da Ria. A carga foi penosa, às vezes incerta a sua esperança. Ainda assim, nenhum ideal nos pode agradar no seio deste hoje já que, os que se nos seguiram, também tiveram e têm que inventar consolações para serem filhos do futuro. Boa sorte para eles. Bem hajam todos.

Viva a Rádio Voz da Ria.

Mário Rui

Ócios
















Ora, ora. O ócio em conjunto com o tempo, reduzem tudo a nada!

Mário Rui