quinta-feira, 18 de abril de 2013

A destradicionalização



Podemos sempre dar um ar renovado à actual sociedade global em que vivemos. Não vem mal ao mundo pelo facto de lutarmos por novos valores, mesmo que diferentes entre si, sendo que a condição essencial para atingir tal desiderato deve ter como pano de fundo o percorrer de caminhos racionais que a essa meta conduzam. O que se lamenta é que, hoje em dia, quando se fala na emergência da renovação, se ponha sempre à frente a ideia de que destradicionalizar é sinónimo de avanço civilizacional. Com base nesta ideia inconsistente, algumas formas do chamado pensamento pós-moderno têm apostado no abandono das tradições, sobretudo das que devem ser defendidas, e desse modo têm permitido que  símbolos, memórias, bons hábitos e outros aspectos da vida social quotidiana se vejam irremediavelmente perdidos. A velha dicotomia entre o que deve ser transmitido de geração em geração e o que não deve ser objecto de transferência, tem dado lugar aos mais variados fóruns de discussão mas, parece-me, sem resultados agregadores ou sequer vantajosos para as comunidades que vivem paredes-meias com o problema. A pobreza crescente e a antípoda  riqueza , que em ambos os casos podem resultar  da condição social, da existência do bem material ou da estrutura mental, têm dado, cada uma a seu jeito, contribuições importantes para a aludida discussão. É certo que falamos de contributos de natureza diversa e, por isso mesmo, quando em confronto, acabam por defraudar expectativas relativamente ao resultado obtido.  Se por um lado os mais desfavorecidos, fruto das difíceis condições de vida em que se vêm envolvidos, e aqui entra o anseio por um emprego, mesmo que precário, ou a oportunidade que não pode escapar, são por vezes compelidos ao aligeiramento do conceito de fidelidade às boas tradições, bem assim como ao princípio de passagem das mesmas às gerações vindouras, já a outra parte toma posição ainda mais brusca. Essa, a que resulta da riqueza imanente, obtida por bem material ou intelectual, no mais das vezes erradica simplesmente a ideia de que os factos favoráveis fatos ou mesmo os dogmas devam ser transmitidos de geração em geração. Neste último caso, fica-se com a ideia que atitude assim assumida não tem tanto a ver com a dita riqueza material, mas antes com a mental, que acaba por alinhar com a vertiginosa velocidade a que se move a sociedade globalizada dos nossos dias. Esta velocidade que perturba a razão e a serenidade do espírito, não é com toda a certeza conduta acertada a tomar já que, tal obsolescência, qualquer que seja a natureza e ramo de actividade donde possa provir, apenas tem levado as sociedades à adopção de uma modernidade que, em todo o caso, sabe a muito pouco. Nesta linha, o que mais se tem visto é o surgimento da chamada sociedade de risco, conceito que, invariavelmente, tem propiciado a existência de riscos sociais, políticos, económicos e mesmo individuais. Junte-se a este caldo, característico da sociedade dita moderna, o abandono da tradição que funda solidariedade de interesses, união de pessoas ligadas por ideias .ideiasou por algum objectivo comum. Os exemplos de sociedade disfuncional assentes nas circunstâncias enunciadas, são muitos. Parece tratar-se de uma sociedade virada para o espectáculo, mas com cenas muito tristes e cada vez mais fora do controlo das pessoas, das instituições, dos governos. Afinal, é espectáculo que irrompe na continuidade da modernização que é cega e surda aos seus próprios efeitos e ameaças. Quase apetece dizer que, perante tal cena, estamos todos a viver o ‘regresso da incerteza à sociedade”. Sendo certo que não tenho soluções que minimizem a perturbação do funcionamento das nossas sociedades, o que de resto não me causa estranheza sendo eu quem sou, nem por isso deixo de cismar sobre as razões que nos conduziram ao estado presente. Estudiosos do assunto apontam inúmeras causas que justificam o facto da sociedade moderna se ter tornado um tema e um problema para ela própria. Quero acreditar que a resolução de todas estas dificuldades se faz no dia-dia e com a ajuda de quem melhor sabe enfrentar a equação. Mesmo assim, continuo a pensar que falta uma variável na expressão. Aquela de que tenho vindo a falar; não destradicionalizar, julgando-se com isto estar-se a evoluir. Conseguir que as situações da vida humana sejam controláveis, com racionalidade, com vista a um futuro mais risonho, só será propósito ao nosso alcance se os elos da tradição e do que há-de vir se entrelaçarem. Se assim não for, tudo o que o tempo que vivemos nos pode oferecer, são equívocos difundidos.
Mário Rui