terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Esterilidade do Ódio



Dando de barato a minha eventual senilidade, sabe-se lá, quase me dá vontade de lhe juntar a minha dúvida existencial, e em particular a interrogação que me fica a propósito da minha sanidade mental. Estarei porventura a ser mesmo mau em relação à minha própria pessoa? Serão visões? Ou será que ainda raciocino?

Senão, reparem: ontem mesmo assisti num canal de televisão português, à hora nobre das notícias da noite, a uma verdadeira reportagem e, assim dita, digna de menção honrosa. Não importa quantos foram os minutos deitados ao lixo, leia-se dinheiro, para a levar por diante. Eventualmente isso até será de somenos importância.

A reportagem tratava então de dar a conhecer às crianças que frequentavam uma escola, o significado da “Não-Violência”, do Dia Escolar da Paz. Pois bem, para tal efeméride nada melhor que pedir ás meninas e meninos que trouxessem de casa umas quantas almofadas e, vai daí, alinhado que estava o exército, comece-se a guerra. Almofadada daqui, almofadada dali, óculos de alguns pais partidos, julgo que estes seriam a retaguarda dos exércitos beligerantes, e assim se ia desenrolando a luta.

Interrogados alguns professores sobre a utilidade de mais um momento didáctico para os alunos, só consegui ouvir vacuidades e nenhuma ideia com substância que minimamente fosse capaz de explicar tão estúpida actividade. Os miúdos, esses, coitados, quando questionados sobre o evento pouco ou quase nada adiantaram. É que eu acho que nem eles próprios sabiam bem o que estavam a comemorar quanto mais da importância, repito, de tão cretino acto de recreio bélico que encarnavam.

Agora digam-me lá se de facto estou a ver mal o assunto. Então mas isto é pedagogia infantil? É para incitar à guerra, por muito aveludada que seja, será então para dotar os meninos de instintos guerreiros, ou tudo isto não passará só da tristeza que é o ensino, a vários níveis, em Portugal.

Será que na mente destes professores não há lugar para mais imaginação senão a deste exemplo. Será que actividade escolar com tal conteúdo, vazio, não fomenta o ódio em vez do diálogo, da compreensão das coisas boas passíveis de serem feitas em prol dum mundo mais fraterno. Ou, olhem, sentar os meninos nas carteiras e deixar que lessem Eça de Queirós, que exercitassem a mente e o espírito. Tenho quase a certeza que aos alunos faria bem e a certeza absoluta que aos professores faria ainda melhor. O problema da escola portuguesa é que ninguém pode ensinar aquilo que não sabe.

Mas já que falei em Eça, ao menos, professores, leiam este pedacinho escrito pela sua pena. Depois, se a tanto vos ajudar a arte e o engenho expliquem aos meninos o que este pensamento significa:

«O ódio é um sentimento negativo que nada cria e tudo esteriliza: - e, quem a ele se abandona, bem depressa vê consumidas na inércia as forças e as faculdades que a Natureza lhe dera para a acção. O ódio, quando impotente, não tendo outro objecto directo e nem outra esperança senão o seu próprio desenvolvimento - é uma forma da ociosidade. É uma ociosidade sinistra, lívida, que se encolhe a um canto, na treva. (...) Mas que esse sentimento seja secundário na vasta obra que temos diante de nós, agora que acordamos - e não essencial, ou supremo e tão absorvente que só ele ocupe a nossa vida, e se substitua à própria obra.
Mário Rui

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