sexta-feira, 19 de junho de 2015

Crónica das idades




A melhor idade é aquela em que os passos devoram léguas e todas as portas abrem soalheiros destinos. A mais difícil das idades é a outra que já muito vivida nada de novo encontra sob o Sol. Corpos tostados pela juventude são os que se aprumam na estatura lassa quando assim mais convém mas também tidos de vigores leoninos sempre que a cor dos desejos reclama expressão da última elegância. Corpos cansados marcados pela vida cujas explorações deles muito cedo fizeram gente, são corpos hoje desconsolados no alongamento das badaladas que caem no poente da vida. Quer os mais novos, quer os mais gastos, mostram fragmentos de palestras contadas de passagem ante a delícia de uma pintura fresca para depois vir uma procissão de desvanecimentos, vasto plaino de recordações e muitas mágoas. Assim é boa a vida, diz a gente moça forte e triunfadora, assim é esmorecida a vida, cheia de esfalfamentos e que aflige, sentem os da vaga melancolia contemplativa. E um vento vagaroso passa por entre todos estes rostos, ora refrescando lábios ardentes a uns, ora estafando a paciência já não tida a outros. Idades, são idades, as novas sem vacilações ou receios, as velhas com acumulação de juros trazendo dias escuros como breu com noites entrecortadas de frios que esburacam soluços de um desconforto que dói. A lei da mensurabilidade de uma existência é amiga dos que têm menos idade e faz do pouco muito, já aos mais avançados no tempo de estar mostra garras de fera imensamente imbecil. Se eu mandasse, a regra para todos seria esta; “anda deitar-te, gente. Tem paciência hoje, amanhã só farás o que muito bem te apetecer”. E como de costume a noite cairia mas já ninguém a passaria sentado diante do espelho para fazer companhia a si próprio.
 
 
Mário Rui
___________________________ ___________________________

Sem comentários: