quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Brincar, nós brincávamos.


Brincar, nós brincávamos.

Lá queríamos saber se um dia viria um ‘facebook’, um ‘instagram’, uma ‘cloud’, uma nova maneira de encarar o mundo. De resto, de nuvem só conhecíamos aquela carregada de gases hilariantes que nos preenchia o dia enquanto o Sol brilhasse no azul. Nunca imaginámos o que viria a ser um e-mail e só um pouquinho mais tarde nos explicaram o que era a posta-restante. Se era tão rápida como hoje a entrega dessa correspondência da nossa meninice? Muito, mas muito mais veloz. Mandávamos por essa via uma declaração de amor à nossa amada(?) pequenina, e ela mandava-nos à fava antes mesmo da carta lhe chegar às mãos. Hoje, não há mais subsónico. Redes sociais? Isso sim, já tínhamos. Eram vinte e dois, quando não mais, a dar chutos numa bola mas sem extremos no campo de saibro. Desses extremos, amigos infantis como éramos, nunca deixávamos jogar o da má educação e muito menos o da violência. Se não havia bola, havia trapos enrolados que era quase igual, embora na maior parte das vezes, por manifesta tacanhice futeboleira, jogássemos com as canelas dos parceiros. Reais, não virtuais! Se não havia bola nem trapos, talvez nos desse para irmos à fruta do vizinho. E que belos pomares aqueles que tanta tinta faziam correr pela viela da rota escolhida. Essa, era uma outra rede social, mas de arame, que tínhamos de pular. Dava mais trabalho do que clicar numa tecla d'hoje. Mas arriscávamos. E quando o dono aparecia afoito no espantar dos pardalitos – nós mesmos - que lhe comiam as peras, tudo o que lhe recomendávamos, com boa intenção, claro, era que devia ter plantado maças, pois essa, sim, era afinal a fruta de que não gostávamos. Riamo-nos a bandeiras despregadas e, lançados em fuga, se por acaso houvesse campainha em porta próxima, lá ia, para acabar de atar os molhos, uma campainhada. O dono sempre teria de atender já que alguém se encontrava nela, pois que a campainha não tocava sozinha. Já lá não estávamos e, agora recolhidos no lar seguro, lá fora caiam as nove horas da noite; nós caiamos também de sono. Quantas vezes um enxugo à fronte com as costas da mão e já adivinhávamos o dia seguinte. Com novas aventuras e novas razões de peso para a jornada que já raiava. Sim, brincar, nós brincávamos; porque foi coisa boa, generosa e porque sabíamos de cor e salteado o segredo da eterna meninice. Ainda hoje é difícil resistir-lhe.




Mário Rui
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