segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A situação é ainda remediável

Não fosse o coiso que nos traiu bestamente e hoje já estaríamos em tempo de folia, sem perturbação de movimentos e sem que ninguém desconfiasse da nossa real aliança com os interesses carnavalescos. Porém, na opinião dos prudentes, essa agressão do coiso é da natureza daquelas que se assanham só com o cheiro dos agredidos, quando não até com a sua legítima defesa. Trancou-nos em casa, o coiso, e é assim que agora temos de suportar o sacerdócio proposto à custódia da tradição e, pior, quer ainda o coiso que percamos o espírito de missão dessa memória. Aqui chegados, a prova temo-la aí diante dos olhos: por ora só a clausura em casa é praticável e não há escolha senão entre a sala ou o quarto, a varanda ou a janela. No entanto, necessariamente de olho na subversão, de quando em vez, conciliando, quanto possível, o hábito do Entrudo com a prática da festa cautelosa, transigimos e montamos um pouco de realidade que a fecunde. Já não importa o sítio onde fazê-la. E, mesmo que não seja à luz do dia, urge é declarar o objectivo que consiste em sustentar o Carnaval por todos os meios. Dentro de quatro paredes não será a mesma coisa, é certo, mas o que nos faz vibrar, face a tanta vida conventual, é o desembaraço que revelamos em amostras incríveis de afinidades que temos com o reinadio. Ainda que se firme a desordem na sala, acudir-lhe a tempo e horas é melhor do que deixá-lo lavrar crescentemente no esquecimento.


Mário Rui
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