quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Meu velho, meu querido, meu amigo




Hoje sinto-me arrebatado pelas memórias dos anos 70 e 80. Não sei bem qual a razão para tal arrebatamento, embora suspeite que tem a ver com o facto de ter estado a ler uma notícia sobre o lançamento do novo iPhone 4S – acho que não me enganei no nome. Mas não fiquem a pensar que lá por ser relativamente imune à tentação da maçã, escrevo este post para desvalorizar o tal iPhone 4S. Não, nada disso. Além de que, parece, até fala, o que me retira logo autoridade para vos poder dizer; « só lhe falta falar ». Até nisto já estou a perder pontos. E embora o novo brinquedo esteja cheio de apetitosas novidades tecnológicas, mesmo assim, não consigo deixar de associar esta designação 4S ao meu velhinho e primeiro carro que tive (deixo-vos a foto dele lá em cima) marca FIAT 124 e que por sinal, também tinha mais uma letra à frente: era “R”. Ora ontem como hoje é tudo uma questão de letra.
Mas quanto ao meu velhinho 124 R, caberá aqui deixar algumas notas curiosas dos anos em que vivemos juntos. Um verdadeiro namoro. Não me interessa falar-vos do 4S uma vez que, um destes dias, serão vocês, ou seguramente os meus filhos, a explicar-me as proezas que o aparelho é capaz de fazer. Proezas que, de outra natureza, também o 124 R me mostrou sendo que, em todo o caso, era necessário ter mãos e amigos que as dominassem. Como vêem tudo é relativo. O meu companheiro de viagem andava devagar, galopava quando era preciso, dava-me sons musicais inolvidáveis – saídos de um leitor de cartuchos – mais tarde de um leitor de cassetes – fazia peões, que era tarefa que talvez os mais novos hoje não compreendam e nem me convém estar aqui a explicar mais do que isto, enfim era um verdadeiro companheiro. Doce, doce e velha lira. Sempre amei os bravos.
Ah, é verdade. Quase me esquecia do modo como iluminava a estrada quando a noite caía. Inteligentemente radiante, lá se acendiam aquelas luzes que mais se assemelhavam a um farol que conduzia o navegante até porto certo. Depois, em dias especiais, não vos digo quais, lá o enchíamos de amigos e amigas e tudo era sol, com diferentes cores, diferentes morais, as nossas acções acabavam sempre por brilhar alternadamente, acontecia que frequentemente também nós cometíamos acções multicolores, mas também não é menos verdade que lá bem no fundo de nós mesmos, sempre se erguia uma moral. Podia era demorar muito tempo a atingi-la. Era o saudável resultado de uma certa bonomia, era a música das nossas então jovens consciências, a dança do nosso espírito. Não me alongo muito mais com a história do meu 124 R. De outro modo estaria aqui tempos infindos a contar-vos das virtudes deste companheiro. Havia uma exuberância na bondade daquele carro e na dos amigos e amigas que o habitavam que até parecia ser maldade. Mas não era. Os afectos eram reais, podiam diferir era quanto à velocidade.
Um dia destes quero então que me falem do novo iPhone 4S. Depois discutiremos o sentido histórico e os valores atraentes de todas estas coisas.



Mário Rui

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