quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Instrução à portuguesa



Às vezes cómico, às vezes sinistro, lá vamos respirando o mistério (LER AQUI)

Sonhar e pensar, ou se preferirem pensar e só depois sonhar, é a única liberdade que a todos assiste, o que vale por dizer que talvez seja esta a derradeira democracia pura e soberana irrevogavelmente condenada a permanecer em cada um de nós como licença gratuita para contrairmos os anseios mais profundos por vida melhor. Vem esta reflexão a propósito da discutida e ainda não resolvida tendência para a entrega da gestão das escolas às câmaras municipais. Não sei se sonhei, mas seguramente pensei sobre o assunto, e fazendo então uso da minha liberdade, duas ou três coisas me ocorrem. Desde logo uma opinião desconfiada quanto à medida pois não me parece que concorra para uma vida melhor, anseio primeiro de qualquer mortal. Transferir para o poder local área tão sensível como esta, é tão-só abandonar uma lógica estável e passar a contar com um padrão pouco discernível - a julgar pela experiência em outras áreas de muito mais simples administração sob a alçada das autarquias - e cujos resultados tão maus têm sido não obstante a pouca complexidade envolvida. Por outro lado, a ideia desta transferência de competências parece-me ser apenas o resultado de mais uma experiência deste desconjuntado tempo que cambaleia de episódio inesperado em episódio inesperado que ameaça a solidez – melhor ou pior, mas ainda assim equilibrada – da “instrução” portuguesa. Ou me engano muito ou os modos habituais de comportamento e aprendizagem vão ficar suspensos em teias político-locais, não augurando nada de bom para o futuro. Acresce que, aqui talvez já tenha sido sonho meu bem pensado, iremos passar a lidar com a obstinada presença do poder político nas escolas, coisa que será garantidamente intrusiva – veja-se o que se passa em outros domínios – e por isso mesmo ainda mais incapacitante para os que querem aprender e se calhar para alguns que querem ensinar. Se exemplos desses não existissem, poderíamos porventura ficar sossegados, mas existem e ponto final! A “instrução”, a cultura, são os únicos bens que não se encolhem e quanto mais usados mais se expandem pelo que não venham agora novas inventivas controladeiras tomar rédeas de cavalo alheio. Uma última nota; neste momento, carregar a tocha da aprendizagem até aos mais sombrios recantos do habitat político, por vezes malsão que se farta, julgo ser um vácuo de credibilidade para o ensino e em particular para quem dele precisa.

 

Mário Rui
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