domingo, 3 de janeiro de 2016

A taxa


Estou “felicíssimo” com este final de ano. Sobretudo por ver diariamente a minha caixa de correio engolir um fartote de envelopes vindos de gente que mal conheço mas que frequentemente se lembra de mim. Ao invés do que se possa pensar, são envoltórios que não afligem excessivamente a minha razão, o que faz com que cada vez mais só me apeteça lançar um olhar o mais desdenhoso possível, não aos sobrescritos, mas antes a quem lá põe dentro a mensagem. E a mensagem é essa baça intriga feita pelos respectivos remetentes – vozes que cantam em coro e sempre as mesmas – turba que resolve chamar ao recado «actualização de preços para 2016». Veja-se a aldeia, vila, cidade, o País; luz, gás, televisão, rádio, água, seguros, resíduos, saneamento, tudo isto não é seguramente tão caro a produzir-facultar-tratar quanto aquilo que me exigem que pague! Somem-lhe agora taxas de passagem - para e pelo além - custos administrativos, taxas de ocupação, taxas de exploração, contribuições especiais, taxas de manutenção, custos de fraccionamento, quotas de serviço, taxa adicional, taxa de conservação, taxa de protecção civil, taxa de vistoria, e assim vamos de tributo em tributo até à seca total. Isto, sim, é que é intolerável e revoltante, ímpio e subversivo! Pago o justo, não me importo, chateia-me pagar é o mal profundo que as coisas apenas miseráveis representam. Quais? As espertices dos hábeis que enriquecem irreverentemente fazendo o seu caminho faustoso sem consultarem, e muito menos sem pedirem licença ao bolso dos que pagam para além do razoável. Vaidades omnipotentes que fazem dos que pagam só vassalos e dos que lucram só soberba. E a gente ri-se, e a gente assobia para o lado, e a gente aplaude abortos em vez de indignação fecunda. Para este grande sentimento de reprovação é que eram necessários os grandes cidadãos e assim talvez um dia pagássemos menos por tudo o que vale pouco mas que, de modo capcioso, nos dizem custar muito mais que o aceitável. Que pena tenho que por entre estas dúvidas do que fazer, só fiquem estes abalos, estas setas apontadas à consciência dos humildes cobrados. Do pagode, restarão almas menores, mais tristes e mais pobres. E viva a “actualização”, mais um viva à “taxa”, pois quanto aos resto dos tachos muitos são os que continuam bem servidos. O que é preciso é astúcia para se conseguir viver neste meio.


Mário Rui
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