domingo, 9 de abril de 2023

O PESCADOR

Quanta melancolia baixava à praia com o cair da tarde! E do mata-ratos tirava-se uma fumaça, mais por distração do que por necessidade. Na cabeça, com a mesma imperturbável serenidade, protegia-se a torreira dos excessos do sol. Enquanto isso, a cada remendo findo acrescentava-se mais uma valiosa esperança no primeiro lanço do dia seguinte. Cosendo à surda na rede, unificava-se a centelha da vida difícil das artes da pesca. Chegada nova manhã, quando os clarões da aurora acordavam as ondas, recomeçava ele a faina, como na véspera, como sempre. Vinda a velhice, as pernas e os braços cansados e entorpecidos, os olhos já enevoados como qualquer bruma praia adentro, era então tempo de ir andando de pouso em pouso remendando outra vida com os camaradas e com uns poucos de decilitros. Sempre se evitava que a solidão alargasse os seus limites e se tornasse acabrunhadora. Era pois tempo de rememorar as vagas que havia navegado, as que havia vencido para chegar ao fim da viagem. Ainda assim, às vezes, só uma voz íntima, em surdina, um rumorejar consigo, porque a peitos outrora robustos é-lhes sempre indiferente o urro alheio.


Mário Rui
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